Austeridade, necessidade ou iniquidade?

Nas crises, aumentar impostos é uma opção complicada numa economia minguada pelo decaimento da produção. A política monetária expansiva também terá curto percorrido enquanto soar alarmes de inflação. Decide-se, pois, a rebaixa do gasto público, que afetará a povoação trabalhadora. Quem nada se beneficiou do boom financeiro tem que pagar agora a fatura da dívida. Austeridade é um termo enganoso que envolve verdadeiras políticas de classe, porque drena riqueza das rendas do trabalho para o capital, aumentando a desigualdade. Por trás deste mecanismo astucioso aparece sempre a máxima de que o Estado nunca quebra e pode socializar a dívida privada, impondo o seu pagamento a maioria social trabalhadora. Paradoxalmente, o Estado é refutado por intervencionista nas etapas expansivas, mas nas crises é instrumentalizado para salvar o interesse da minoria social que ostenta o poder económico. Lucros privatizados contra perdas socializadas. Austeridade para que e para quen? Os programas de austeridade concretizam-se em curtes de salários e diminuição do emprego público mediante a falta de renovação de contratos ao pessoal temporal ou interino; na suspensão da oferta pública de emprego ou limitação das taxas de reposição; no aumento da jornada laboral; na flexibilização do mercado de trabalho, reduzindo o custo do despedimento; na rebaixa das pensões de reforma aumentando a idade de jubilação ou o período para o cálculo das bases reguladoras; em curtes nos subsídios de desemprego ou nas prestações sanitárias; no desmantelamento do ensino público, dos serviços sociais e das políticas de inovação, vivenda e ajuda social a coletivos vulneráveis; na privatização de infraestruturas públicas e na aplicação de medidas fiscais regressivas, como o incremento da tributação indireta; na perda de direitos sociais, etc. Contudo, o curte na despesa pública apôs a crise de 2008 não propiciou maior crescimento económico senão desvalorização de salários, desemprego, pobreza e exclusão social. Tudo para salvar a rendibilidade do capital. A austeridade é, portanto, uma política distorcida. Discrimina a maioria social, com maior dependência da provisão pública de serviços. E quando menos parcial, pois tal conceito nunca fora alegado quando o esbanjamento sem limite para o resgate público do capital bancário. Um verdadeiro assalto a mão armada às classes trabalhadoras por parte do capital financeiro, servindo-se do poder coercitivo do Estado e o seu monopólio da violência. Alternativas O neoliberalismo, no seu intuito de aumentar a taxa de lucro do capital e numa verdadeira fugida para a frente, acode a desregulação da economia, mas é incapaz de aumentar simultaneamente rendimento e propiciar estabilidade. As alternativas críticas de curte social-liberal giram entorno ao neokeynesianismo que alcunha a austeridade como irracional e alheia ao bem comum. Porém e longe de ser irracional, é uma política perfeitamente planificada que defende interesse de parte. A duma minoria social que exerce o poder económico empoleirada nas atalaias do capital financeiro. Também é um engano teimar na procura dum capitalismo de rosto humano, quando no seu celme lidam duas contradições principais: a que enfrenta os interesses contrapostos de capital e trabalho, além da própria competência entre capitais individuais. De facto é a procura de maior rendibilidade, no menor prazo temporal possível, que obriga uma maior exploração do valor do trabalho e uma expansão da atividade financeira para a apropriação do mais-valor gerado na economia real. Os límites da acumulação capitalista Aliás, é ilusão acreditar na capacidade ilimitada da acumulação capitalista para desenvolver a capacidade produtiva. A crise de 2008 destruiu forças produtivas com desastrosas consequências sociais e a certeza de que nunca mais voltará uma fase de grande crescimento como outrora. Longe de alternativas revolucionárias, economistas como Mark Blyth acha a repressão financeira, a fiscalidade progressiva e eficazes políticas de demanda, como possíveis caminhos para intentar reduzir as consequências mais terríveis da crise sobre o mundo do trabalho. Contudo, ainda que a disciplina fiscal de Bruxelas está suspensa até 2023, já se anuncia a “retirada dos estímulos” e a demanda de planos de ajuste a médio prazo. Celine Gauer, secretaria-geral da Comissão para a execução dos fundos Next Generation, advertiu que o seu pagamento fica entravado enquanto as reformas estruturais exigidas não sejam do gosto de Bruxelas. A transição verde ou digital, gerida desde os escritórios de grandes empórios empresariais, ao não afrontarem as altas taxas de inatividade e desocupação, que minguam as possibilidades de desenvolvimento, apenas contribuirão para incubar as condições do novo estourido da permanente crise capitalista. Sem trabalho não haverá riqueza que repartir.