Un verán en galeusca

Voz

'Un verán en Galeusca' é un proxecto feito, por segundo ano consecutivo, entre VilaWeb, Berria e Nós Diario. A serie consta de doce relatos curtos, escritos por Mercè Ibarz, Biel Mesquida, Belio Zaballa, Esperança Camps, Danele Sarriugarte, Jimu Iturralde, Goaitz Labandibar, Unai Elorriaga, Emma Pedreira, Marica Campo, Séchu Sende e Daniel Asorey. Todos os relatos aparecerán ao longo do verán nos tres medios.
Deseño de Emma edreira para o relato 'Voz' de Séchu Sende en 'Un vrán para galeuzca'.
photo_camera Deseño de Emma edreira para o relato 'Voz' de Séchu Sende en 'Un vrán para galeuzca'.

Odia que morreu Aurora, a vizinha do 1º A, alguém dixo: E que fazemos com o seu corvo?

Ali estava, com umha tristeza de corvo, a olhar o horizonte pola janela.

Trouxem o corvo para a minha casa
e a primeira noite contagiou-me umha dor de penas negras.
Morreu Aurora, dixem-lhe.
Sinto-o muito, dixem-lhe.
Era umha boa mulher, dixem-lhe,
Esta é a tua casa, dixem-lhe,
Boa noite, dixem-lhe.
E ele dixo Boa morte, e fechou os olhos.

Era um corvo que falava.
E fiquei olhando para ele, grande e engrunhado, triste.

O segundo dia deu-me o bom dia.
Bom dia, bom dia, dixo em voz baixa.
E Boa morte, dixo outra vez, à noite.
Passou o dia em silêncio.

Telefonei a sua filha.
-Sim, fai-me companhia, dixem.
-Sim, quando era pequeno tivem um canário.
-Sim, seguro, nom é nengum problema.
-Sim, acompanha...
-Agora está um pouco triste, normal.
-A propósito, como se chama?
O corvo chamava-se Voz.
Voz.

O terceiro dia quando entrei na cozinha o corvo dixo-me: Quero umha estrela.
Como?, perguntei, Umha que?
Umha estrela, umha estrela, repetiu.

Parecia um corvo velho,
eu levava dez anos a viver no prédio,
o corvo já morava ali quando cheguei
Ao seguinte dia saudei-no, Bom dia.
E ele dixo-me Coraçom.
Ou isso foi o que entendim. Coraçom, coraçom. Repetiu.
Corrim as cortinas, entrou a luz.

Comecei a escrever as palavras do corvo num caderno azul.
As palavras do corvo.
Cada vez que falava surpreendia-me.
Suponho que se fosse um corvo que tivesse crescido num bar, numha taberna, diria outras cousas.
Mas aquele corvo era o corvo de Aurora e Aurora era umha mulher que sempre levava um livro na mao.

Convidei a filha de Aurora a um café.
Ela pediu-me acompanhá-la ao apartamento de Aurora.
Luzia. 

Entramos juntos e perguntou-se: Quantos livros haverá aqui?
A biblioteca ocupava-o todo.
Também havia livros pendurados do teito, como morcegos.

A maioria dos livros som de poesia, dixo Luzia.
-Gostava muito de ler, dixo.
-O corvo às vezes di cousas… dixem em voz baixa.
-Ela lia sempre em voz alta. Podia ler durante horas. Em voz alta.
-O corvo às vezes di cousas, repetim.
-Quando era pequena fechava os olhos e ouvia-a e gostava de sentir cousas que nunca mais sentim.
-O corvo… Voz, Voz cada dia fala mais, dixem.
-Levava com ela muito tempo, mais de 20 anos.
-Agora fala muito, e di cousas estranhas.
-Cousas estranhas? -Desde que chegou à casa nom deixa de dizer cousas estranhas.
- Será poesia, dixo Luzia.

-Toma, seguro que a bota de menos, dixo-me Luzia, a poesia.
Fixo assim com a mao, apanhou dous livros do sofá e entregou-mos.

Eram dous livros de poesia, claro.
"Diários de prisom" de Ho Chi Ming e Uxío Novoneyra.

Lembro que o corvo gostou muito dos "Diários de prisom",
ficou em silêncio ouvindo atentamente as minhas palavras.
É um livrinho pequeno.
Também eu gostei de lê-lo e ouvir assim a minha voz,
com essas palavras traduzidas do Vietname.
Logo Voz puxo-se a falar.
E eu abrim o caderno azul e escrevim.

Eu continuei a escrever as palavras do corvo.
Quando chegava do trabalho,
buscava tempo para poder ler os livros que me deixava Luzia.
Pouco a pouco, a minha casa foi-se enchendo de livros
e o caderno de Voz, de palavras.

-A minha mai teria gostado
de saber que os seus livros venhem para aqui,
dixo um dia Luzia.

Eu passava horas lendo em voz alta,
no sofá,
com Voz pousado no meu ombro.
Às vezes ele ficava dormido assim,
aconchegado a mim, cabeça contra cabeça.

Às vezes vou à livraria do bairro
e apanho algum livro de poesia.
Hoje, por exemplo,
lim com Voz um livro de Lupe Gómez
e outro de Charo Lopes.

Nalgum momento pensei em passar a limpo a
s palavras de Voz,
pôr-lhes um título
e enviar o livro a um prémio literário ou a umha editorial.

Cada vez gosto mais do seu estilo...
De feito, continuo a pensá-lo.
Polo que estou a ver,
e depois de ler poesia durante todo este tempo,
a poesia de Voz
é mais interessante que alguns dos livros de poesia que conheço.

Seguramente Voz ganhasse
algum prémio importante,
quem o veria!
Um corvo!
Um corvo, voz principal da literatura atual.
 

Umm...
Mesmo poderia ganhar o prémio ao autor do ano...
E depois, com sorte, chegariam as traduçons e seria um fenómeno mundial...
Umm...
Desde que leio poesia tenho muita imaginaçom
e emociono-me com qualquer cousa.

Mas gosto de sonhar que um corvo entra na história da literatura.
 

Algum dia comentarei-lho a Luzia,
ainda que nom me atrevo.
Também nom me atrevo a dizer-lhe que a quero.
Às vezes ela fica connosco e lemos poesia juntos.
E logo ouvimos a Voz,
que sempre tem vontade de falar depois de um bom livro.

-Agora-me para sempre!
-Agora-me para sempre! exclamou hoje Voz,
antes de fechar os olhos e ficar dormido entre a cabeça de Luzia e a minha.

Luzia repetiu Agora-me para sempre.
E eu escrevim no livro de poesia de Voz:
Agora-me para sempre. Luzia suspirou.
Fomos para a cama juntos.
A poesia mudou a minha vida.
Amanhá será outro dia.
Sempre.

Esta peza publicouse con 'máis', suplemento de agosto de Nós Diario que podes adquirir en quioscos ou na nosa loxa.

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