ESTE SÁBADO NO PRINCIPAL DE SANTIAGO

Vitor Ramil: “Brasil é uma potência musical”

Uma das figuras do panorama musical brasileiro aparecerá este sábado no cenário do Teatro Principal de Santiago (20.30 horas) acompanhado de Uxía, Xabier Díaz, Guadi Galego ou Guillerme Fernández.

vitor ramil
photo_camera Vitor Ramil

Depois da parceria com Milton Nascimento, Jorge Drexler , Fito Páez ou Ney Matogrosso, no seu último trabalho “Foi no mês que vem” amostra-se contente deste novo encontro com a música da Galiza.

-Depois do grande sucesso da sua participação no passado “Cantos na Maré”, como está a ser esta nova parceria no Sons Tránsitos?

Vou voltar a estar com gente que já conheço, com a que esteve em Pontevedra e à que admiro muitíssimo. Para mim são a alegria, gente com a que estou quando venho aqui e que me faz passar todo o tempo num estado de emoção mui intenso. São amáveis e talentosos e aguardo no concerto passar todo este sentimento à gente que nos venha ver.

-Em certa medida, é possível que compartilhem filosofia com sua música no senso de criar através da tradição como você fixo ao reconhecer a sua origem do sul do Brasil ?

Identifico-me com eles e também com o próprio Joel López, com quem venho de fazer uma versão dum tema, porque somos artistas e ligamos com a música do mundo, mais levando em conta que a que procede do nosso próprio lugar é importante, que há muita verdade nela, na música que se faz no lugar do que vimos. A música do sul está presente no que eu faço e nisso também concordo com os músicos galegos.

-As parcerias são, aliás, muito características quer da música do Brasil quer da sua própria trajetória. Em “Foi no mês que vem” convidou a grandes figuras como Miltom Nascimento, Ney Matogrosso, Jorge Drexler e Fito Páez, além de moita outra gente que participa.

São artistas importantíssimos na minha formação como o próprio Ney e Miltom ou, já da minha geração, Fito Páez e Jorge Drexler, que compusemos temas juntos. Para mim foi um encontro incrível e não só por contar para o trabalho com gente muito boa, mas também porque toda a gente achegou muita coisa, vieram com muita criatividade e liberdade. Considero que foi enriquecedor para mim e a minha música e comprovo que o público gosta de ver os encontros de artistas. Achei que seria interessante fazê-lo com pessoas com as que já estava acostumado a colaborar. Foi muito especial. A verdade é que sempre tive gente tocando comigo.

-O duplo disco “Foi no mês que vem” nasce depois de trinta anos de carreira e nele revê alguns temas da sua mocidade.

Sinto-o como um projeto original. Não é uma recompilação de sucessos, estava a preparar um songbook com sessenta partituras e nasceu a ideia de editar um disco. Escolhi um repertório que queria procurar a linguagem de trinta anos que não é nenhuma em concreto, mais si a procura dessa linguagem. Quando fui buscar um tema que compus aos 18 anos, tive que conectá-lo com outro de há um ano. Foi então quando comecei a me perguntar por essa conexão e o resultado foi um trabalho interessante. O público manifestou-se pela rede e sugeriu temas e pude olhar para eu próprio e entender como o faria eu, debuxado através dos anos. Têm, para mim, um significado forte e de reafirmação.

-Você tem conseguido os principais prémios da música de Brasil e não tem problema em vender os seus discos. Por que apostou no crowfunding para produzir o último?

Tenho a minha maneira particular de fazer as coisas. Quando descobri o crowfunding compreendi que seria uma maneira poderosa de achegamento meu ao público. Sempre há riscos, mais eu tinha a conviccão de que a gente ia vir e foi o que aconteceu, mais, muito mais do que eu aguardava. Foram 1.000 pessoas de 8 países distintos e a gente escreveu e manifestou-se. Gravei ensaios, documentámos todo o processo e foi muito gratificante para mim. Fixo com que eu entendesse o caminho da música nestes tempos atuais, nos tempos de Internet e da mudança profunda no mundo do disco. O público deixou de ser um comprador passivo.

-”A estética do frio” é a teoria que paira trás da sua música mais também da sua literatura. 

A ideia do frio vem de pensar o Sul do Brasil. Deve ser visto como fenómeno climático mais também como frio simbólico. O sul é, no Brasil, o lugar do frio, que é o que representamos. Quando falo de buscar a estética do frio, falo de desenvolver essa condição particular mais não sentindo me apartado ou menor da estética tropicalista, da música como ritmo, alegre. A estética do frio não é a defesa da ausência de ritmo, mais sim tem a ver com a aceitação da maneira de ser da minha região. A milonga, ponho por caso, era típica de ali e no Brasil ninguém sabia isso. É chamar a atenção sobre essa zona que não é tropical. Eu tenho minha estética do frio, outros se calhar a sua. Temos de pensar como somos no Sul e podemos fazer as coisas com o nosso jeito, mais nos achando cómodos como brasileiros. O Sul sempre se sentiu afastado do grande centro. Reparei que não me queria sentir à margem do centro, senão ser centro duma outra história. Minha região está no centro dum território no que estão a Argentina, Uruguai e o Brasil. Queria fixar a brasilidade do Sul.

-Foi por isso que regressou a Pelotas depois de ter ido morar a Rio de Janeiro?

Em Rio sentia-me como deslocado, estava a gosto, mais não tinha a minha linguagem particular. Não me permitia compor esses sons brasileiros como samba, bossa nova... dizia, sou do Sul, sou gaúcho... mais logo compreendi que, como dizia Borges, também eu tenho direito a essa cultura, a Tom Jobim, a Doryval Caimmi. Tinha direito a fazê-lo com o meu jeito. Esse foi o meu desafio. Voltei para minha cidade natal e comecei a trabalhar muito também em Uruguai e na Argentina, procurando o meu caminho.

-Tem também uma carreira literária sólida, nasce à par da música?

Antes de começar a compor eu já escrevia, mas a literatura é, para mim, um projeto a longo prazo. Produzo mais canções, porém no meu dia a dia sempre estou a ler e escrever. Vem com a música. O aperfeiçoamento dos meus textos como escritor vem do meu trabalho com letras de canções. Sempre que escrevo literatura, essa aprendizagem é que aparece. Meu texto tem sua música, o seu ritmo. A gente pensa que eu elaboro muito a escrita, mais é natural. Sai trabalhada da minha cabeça.

-A música continua a ser a carta de presentação do Brasil, digamos que faz parte do seu PIB?

Brasil é uma potência musical, embora hoje não vivamos um fenómeno como os que tivemos no passado com a bossa nova ou o tropicalismo, movimentos de muita popularidade e qualidade artística. Com o tempo tornaram-se em ritmos de muita influencia. Hoje, quando estou fora do país, o que escuto são as músicas brasileiras mais populares. Têm outro sentido, não são tão artísticas e sim mais comerciais. Porém, amostram a relevância da nossa música.

Comentarios