Apreocupação de Carvalho pela língua foi constante, quer do ponto de vista da normalização de usos quer da estandardização gráfica. Dum ponto de vista muito diferente também a Língua era uma preocupação de Fernando Pessoa.
Possivelmente Carvalho e Pessoa não cruzaram nunca os seus caminhos vitais mas ambos coincidiram numa ideia: a língua é a pátria, ou a mátria, ou a frátria, comum; ou dito de uma outra maneira, a língua é o que define a nação, o que identifica uma comunidade.
Com bastante certeza Fernando Pessoa não leu nunca nada do escrito por Carvalho Calero a pesar de à altura de 1935, ano em que a 30 de novembro Pessoa faleceu, já Carvalho ter publicado quatro livros de poesia e uma peça de teatro de título O Fillo, sem esquecer o discurso pronunciado com motivo da abertura do curso 1930-1931 da Universidade de Santiago e de nos contar Como vía Aristóteles o Pae Feijoo e de ter sido um dos líderes estudantis com mais carisma dentro da FUE.
Com toda a segurança Carvalho leu todo o publicado por ou sobre Pessoa até o ano da sua morte, a de Carvalho, em 1990.
Pessoa escreveu muita e variada coisa, tanta que ainda hoje seguem a aparecer textos inéditos, mas, como Carvalho, preferiu sempre a poesia: E a criança tão humana que é divina / É esta minha quotidiana vida de poeta, / E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, / E que o meu mínimo olhar / Me enche de sensação, / E o mais pequeno som, seja do que for, / Parece falar comigo.
Carvalho, nas Conversas em Compostela com Fernán-Vello e Pillado, confessa: "Dunha forma ou doutra, aínda que eu son polígrafo, xa que teño traballado en narrativa, en teatro e en ensaio, creio que, efectivamente, o máis íntimo da miña personalidade está reflexado na poesía, até o extremo de que na mesma narrativa ou no mesmo teatro, considero que a parte mais persoal ou a parte mais orixinal, dentro da orixinalidade que cabe a un escritor do século XX depois de Xesuscristo, é aquela que contén unha raiz lírica".
A Baixa e Maçarelos
Com certeza Carvalho percorreu todas as ruas da Baixa em que Pessoa imaginou mais de um cento de heterónimos, todo um universo de criaturas que o acompanharam nas tertúlias do café A Brasileira e nas noites do Chiado e também quando ideou a anúncio da Coca-Cola.
Nada nos indica que Pessoa percorresse o Tránsito dos Gramáticos nem andasse pela Praça de Maçarelos como fazia Carvalho cada dia antes das nove desde que em 1965 se incorporou à Faculdade de Filologia, a um posto de trabalho dotado com 700 pesetas ao mês:
"O Decano escribiume oferecéndome o posto. Como a cadeira non está dotada, só se dispón de 700 pesetas mensuás pra me remunerar. Pero, ¿cómo ía atreverme a refusar? Mallaríades en min. Contestei aceitando… En fin, é unha aventura persoal impropria dos meus anos; pero quero ensaiala, inda que remate mal, pois sería paradóxico que a esquivara. Hai que vivir con autenticidade" escreveu em carta a Del Riego.
O espelho em que a Galiza se reconhece
"A minha pátria é a língua portuguesa" escreveu Pessoa e Carvalho, se calhar neste caso menos poético, diz: " Em realidade, Galiza existe desde que existe o galego porque o galego é o espelho em que Galiza se reconhece" para continuar "A história do idioma galego é a história mesma de Galiza" e concluir que "Galiza nace à história quando o galego nace".
A identificação língua/pátria e língua/nação é comum a Carvalho e a Pessoa. A frase de Pessoa, do Livro do Desassossego, originou inúmeras citações ou adaptações. Entre elas, a modo de exemplo, José Saramago, que concluiu que a língua portuguesa é "uma língua de várias pátrias" ; ou Eduardo Lourenço, que acrescentou: "uma língua não o é de ninguém, mas nós não somos ninguém sem uma língua que fazemos nossa"; ou Jorge de Sena, que vai além: "a Pátria de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações nasci"; ou Maria Gabriela Llansol, para quem :"o meu país não é a minha língua, mas levá-la-ei para aquele que encontrar"; ou Eduardo Prado Coelho, que, categórico, afirma: "A nossa pátria só será a língua portuguesa se for mais do que a língua"; ou o moçambicano Mia Couto, que diz: "a minha pátria é a minha língua portuguesa"; ou o brasileiro Ledo Ivo: "Minha pátria não é a língua portuguesa. Nenhuma língua é a pátria. Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci"; ou o brasileiro Caetano Veloso, que não tem pátria e quer frátria: "A língua é a minha pátria / E eu não tenho pátria, tenho mátria / E quero frátria". A preocupação de Carvalho pela língua, tanto pela sua codificação como pelo seu uso arranca da sua etapa de estudante em Compostela. Já em 1933 censura o amigo Fernández del Riego por ter utilizado em público o espanhol antecipando a teoria da necessidade de criarmos espelhos públicos de uso: "Paréceme moi mal que falaras en castelán no mitin escolar. Hai que partir da hipótese de que todos os estudantes de Santiago coñecen o galego. A tesis debe ser: en Galicia, como non se actúe como funcionario oficial nunca debemos falar en castelán en púbrico".
Chegados a esta altura do relato podem pergunta-se por que juntar num mesmo relato Carvalho e Pessoa. Pois permitam-me trazer como resposta aquele verso de Rosalia: O amor da patria me afoga. Porque se em Pessoa é evidente a identificação pátria e língua em Carvalho é patente a identificação língua e nação, que vem sendo o mesmo. Por isso Carvalho diz que "o galego é Galiza" e se o galego é (ou forma parte de, como preferirem) o mesmo sistema linguístico também chamado português e a partir de aqui resulta bem conhecida a posição de Carvalho, sermos linguisticamente falando, compatriotas de Pessoa, de Mia Couto ou de Caetano Veloso.