20 ANOS

José Saramago, cartografia de um Nobel

Mural Saramago

1Num ano insólito sem prémio Nobel, cumprem-se os vinte anos de José Saramago a ganhar o maior galardão da Literatura, o único escritor de língua portuguesa com esta distinção. Eis un extracto da información publicada no número 325 de Sermos Galiza.

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo”. Com estas palavras abria Saramago o discurso pronunciado a 7 de dezembro de 1998 durante a entrega do prémio Nobel na Academia Sueca. Uma homenagem aos seus avôs, à sua origem e à memória pessoal e coletiva da sua terra. E é que Saramago nasceu no seio de uma família de camponeses, na Azinhaga, a 16 de novembro de 1922. Teve uma vida difícil. Talvez uma história atípica para um Nobel.

De família pobre, de agricultores, José Saramago abandonou o liceu para tirar um curso de serralheiro mecânico. Mais a sua paixão pela leitura levou-o a frequentar as bibliotecas públicas, como a municipal do Palácio das Galveias, como ele mesmo se encarregou de lembrar, “lendo ao acaso de encontros e de catálogos, sem orientação, sem alguém que o aconselhasse com o mesmo assombro criador do navegante que vai inventando cada lugar que descobre”. E é aqui onde começa a infinita dança com as suas “amizades literárias”: Luís de Camões, António Vieira, Cervantes, Montaigne, Voltaire, Raul Brandão, Fernando Pessoa, Kafka, Eça de Queiroz, Jorge Luís Borges e Gogol. Logo trabalhou como revisor editorial, tradutor e jornalista, e durante muitos anos a prática literária ficou em segundo plano para o escritor. Esta circunstância vital foi decisiva na sua escrita, totalmente enriquecida pela autoconstrução e o autodidaticismo de uma formação cultural adquirida fora das instituições académicas. Uma voz sui generis que o converteu num dos clássicos da literatura do século XX. 

Ligado ao partido comunista desde a juventude, ao qual se filia em 1969, o seu compromisso social e político leva-o a participar ativamente no processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril e, após a Revolução dos Cravos, a coordenar uma equipa do FAOJ e a colaborar como assessor do Ministério de Comunicação Social. Em 1975 foi nomeado diretor-adjunto do Diário de Noticias, mas acusaram-no de radicalismo marxista e ficou desempregado. Uma fase convulsa que Saramago aproveitou para dedicar-se exclusivamente à tradução (nesta época traduz para o português autores como Frémontier, Jivkov, Moskovichov, Pramov, Grisnoni, Poulantzas, Bayer, Hegel ou Romain) e à escrita. Definido por Carlos Reis em Diálogos com José Saramago (1998) como “epifania de um talento literário tardio”, o autor só atingiu a celebridade internacional a quase sessenta anos. Consolidou-se com uma obra em constante meditação, crítica e transgressora, que nasce da dúvida e o espanto para descrever a condição humana através da viagem da História, da Utopia e do Maravilhoso. É na década de 80 quando publicou os romances mais aclamados: Levantado do Chão (1980), Memorial do Convento (1982) e O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984); e mais tarde O evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) e o míticoEnsaio sobre a cegueira (1995). Recebe o Nobel da Literatura o oito de outubro de 1998, aos 76 anos, “pela sua capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia”, citando a Academia Sueca.

[Podes ler a información íntegra no número 325 de Sermos Galiza, á venda na loxa e nos quiosques]

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