ANTóNIO ZAMBUJO, MúSICO

"Os governos estão de costas viradas para a cultura"

António Zambujo regressa a Galiza. Este sábado oferece um concerto em Compostela ás 21 h, no Auditório. Vem apresentar Quinto, o seu último e bem sucedido trabalho.

António Zambujo
photo_camera António Zambujo

Nasceu Antonio Zambujo à música com o canto alentejano da sua infância. Logo foi aparecendo o fado, a música brasileira e africana e o jazz e tudo isso deu numa trajectória musical própria que foi reconhecida pelo público, a crítica e mesmo pelo grande Caetano Veloso. Com Quinto, o seu último disco, com o que triunfou em todo o mundo, regressa a Galiza para dar um concerto no Auditório de Compostela este sábado 27 de setembro as 21 horas. 

Quinto é o quinto disco mas também o que maior difusão está tendo em sua carreira ascendente. O que significa na sua trajectória?

Cada disco é o registo do momento em que nascem e Quinto reflete o tempo por que atravessa. Na minha música há uma série de cinco referências bases, a música tradicional, principalmente a da minha região do Alentejo que é para mim muita forte, o fado, o jazz, a música brasileira e a música africana, principalmente a de Cabo Verde. Estas músicas estão sempre presentes no que eu faço, seja em quanto intérprete, quer em quanto compositor. Depois acaba sempre tendo outras mais músicas por viagens, concertos a que assiste, eu acho que é sempre uma aprendizagem, uma absorvência permanente. Quinto é então o registo do momento pelo qual estamos passando agora. Entre Guia e Quinto passaram dois anos, muitas viagens, muitas parcerias e, resultado disso, é este trabalho. Quisemos colocar também a cumplicidade que conseguimos tocar os cinco ao vivo. Temos tocado muito nesses anos e isso deu-nos capacidade e experiência para que este disco tenho a sonoridade da música ao vivo, que é muitas difícil.

"Na minha música há uma série de cinco referências bases, a música tradicional, o fado, o jazz, a música brasileira e a africana". 

-António Zambujo tem já marca de autor?

Isso é o que eu pretendo, que as pessoas consigam ouvir a minha música e identificar. Acho que, em parte substancial, é assim. Se consigo, é para mim já um grande sucesso.

-Sua origem está na música popular do Alentejo, os cantos tradicionais ressoam todavia no último trabalha?

O canto alentejano é uma experiência muito forte, a minha primeira experiência musical. Foi pelo canto alentejano que eu quis começar na música. Minha avó, que ainda vive, me deu uma educação muito musical, ajudou a que tivesse um conhecimento fundado e me apaixona por ele. Continua a ter presenciamos na minha música.

-O fado, também presente no universo popular, semelha ter já abandonado a taberna para ir aos auditórios.

O fado é a música que toda a gente associa a Portugal, é a nossa música mais internacional. Com Amália, Carlos do Carmo e depois nomes como Mariza, acabou por cimentar a condição de fado como música internacional. Encaixa em quase todos os festivais, jazz, word music e pop. A minha música não é fado, mas acaba por ter raízes do fado. É natural que o mesmo se encontre alguns sonoridade deles.

-Carlos do Carmo lembrou que o fado tomava parte dos três efes do Portugal da ditadura: Fátima, futebol e fado. Mudou a consideração do fado como música do regime anterior ao 25 de Abril?

Eu acho que o fado foi usado. Não se ligou por si próprio ao regime da ditadura, mas sim foi usado. Foram mais inteligentes que os políticos de hoje. O governo de Portugal está de costas voltadas para a cultura e naquela altura o regime, mas listes como são todos os seres maquiavélicos, soube aproveitar para se auto promover internacionalmente.

"A relação forte com lusofonia é em especial por causa da língua. A língua portuguesa é apaixonante"

-A sua raiz é em essência lusófona. Fado, música do Brasil e de Cabo Verde, tem especial presencia no imaginário criativo.

Se excluímos a parte de jazz que foi determinante e continua a ser. Desde que descobrira os discos de Chet Baker senti que aquilo era o que ele queria cantar. Depois vinham outros como Nina Simone e Billy Holliday. Os gostos pessoais têm que concordar no resultado final, não apenas em quanto a música, mas também em termos pessoais. A relação forte com lusofonia é em especial por causa da língua. A língua portuguesa é apaixonante. Temos poetas fantásticos que eu admiro mas eu sou contra essa coisa de viver amarrado ao passado. Há um poeta português que diz que o passado é inútil como um trapo. Eu concordo com ele. Em Portugal continuamos à espera do nosso Sebastião, Duma milagre da Nossa Senhora é isso já não vai acontecer. Os letristas que colaboram comigo são poetas de hoje em dia. Pessoas que conhecem a minha música, que colaboram com o que eu faço. E isso torna o trabalho mais orgânico e pessoal. É mais fácil mostrar a minha identidade com pessoas próximas que com poemas de Pessoa e Camões, que são maravilhosos mas não faz sentido na minha música.

-Defende essa contemporaneidade de sua música. O fado também a tem?

Uma das coisas importantes do fado não é só a renovação dos artistas mas também do público. Antes só estavam pais e avós e depois passaram a ficar já pais, avós mas também filhos e netos. Acho que se conseguiu e isso é mérito de todos os intérpretes. Já se consegue captar a atenção de gente da minha idade, porque, em outra altura eu quase só podia ouvir fado na clandestinidade. Se dissesse então meus colegas na escola que ele ia ouvir fado, nem sequer sei o que pensar. Hoje não acontece assim. Tenho um filho de catorze anos que gosta de fado e ouve não só os meus discos  mas também os de pessoas que eu também gosto. As plateias dos concertos estão maioritariamente compostas por pessoa novas e esse é o trunfo.

"Antes só estavam pais e avós e depois passaram a ficar já pais, avós mas também filhos e netos. As plateias dos concertos estão maioritariamente compostas por pessoa novas e esse é o trunfo".

-Como se dá esse passo de ser música de tradição a se considerar moderna?

Tem a ver também com a interpretação, com a visão que se lhe dá à música. Eu tenho as influências que lhe acabam de dar uma roupagem menos tradicional ao som de raiz, mas tal como mim outros intérpretes. Há uma abertura da música que a pesar de ser tradicional e ter facões que querem continuar no tradicionalismo também há muita gente que quer-me uma música aberta ao mundo, e dar uma característica contemporânea.

-Na Galiza não houve essa ideia do fado como uma música não moderna.

Se quadrar vocês conhecem a nossa cultura mais do que nós próprios. Sempre que venho cá sinto conhecimento e gosto pela nossa música e uma visão muito inteligentes. Um critério de escolha interessante, da maneira em que a música portuguesa devia ser mostrada ao mundo. O Zeca Afonso, Fausto... e eu ser incluído nesse grupo deixa-me muitas feliz.

"Se quadrar vocês conhecem a nossa cultura mais do que nós próprios. Sempre que venho cá sinto conhecimento e gosto pela nossa música"

-Sua relação com a Galiza é cada vez mais intensa, não é?

Começou com Cantos na maré, o encontro da música lusófona em Pontevedra  que promove Uxía. Com ela entrei em contacto com a música galega e depois estão outros músicos como Guille, Xavi e o gaiteiro Xosé Manuel Budiño, de quem são bom amigo e já fizemos coisas juntos e inclusive vou participar com ele em seu novo álbum. O que nos faz apaixonar com os sites são as pessoas. Eu não venho aqui pela mística, mas pela contemporaneidade, são essas pessoas as que me fizeram apaixonar por Galiza.

-Você também está a ter grande sucesso no Brasil das grandes figuras da canção como Caetano Veloso, Chico Buarque e tantos outros. Para um músico português que significa triunfar no Brasil?

Para mim foi fantástico. Também o fato de que a música fora tão rápido divulgada em Brasil é isso devesse também o fato de Caetano Veloso ter escrito uma crónica a falar do disco lida por muitíssimas pessoa é isso ajudou a que se conhecesse o que eu fazia. O jornal O Globo considerou como um dos melhores concertos de 2009. É também importante porque a dimensão é completamente diferente. Som 200 milhão a falar a mesma língua, quando nós somos 10.

-Para a sua trajectória é importante esse salto?

Foi importante inclusive em Portugal, onde o artista só começa a ser reconhecido quando tem algum sucesso vindo de fora. Eu acho que aquilo que escreveu Caetano Veloso acabou por ter mais mimetismo em Portugal.

"Aquilo que escreveu Caetano Veloso acabou por ter mais mimetismo em Portugal".

-A crise em Portugal tem vindo a afetar a cultura?

O sector da cultura sempre foi desprezado. A maior parte dos governos, mesmo após a revolução de 25 de Abril, viveram afastados para coisas que são essenciais como a cultura, a nossa identidade. Vivemos uma tentativa de globalização exagerada. A cultura é o veículo que permite manter a nossa identidade, mostrar as raízes, aquilo que nós somos. Os governos que não percebem isso são pouco inteligentes e não servem para aquilo que se lhe encarregou.Quem vive do mercado português está a passar por muitas dificuldades para sobreviver, e cada vez mais. Nós fazemos 70 ou 80% dos concertos fora de Portugal e felizmente não sentimos essas dificuldades mas com o mal-estar de pessoas que sofrem e que estão ao lado acaba por sofrer também. A cultura só é usada para se auto promover, nos governos sabem que somos pessoas queridas, acarinhadas e por isso usadas para conseguir votos.

-Canta desde menino, é para sempre?

Cantar é a coisa mais importante. Em criança eu já cantava, já gostava de música, não fazia ideia de ser músico, de andar a viajar por todo lado, mas sabia que a música teria um papel importante na minha vida. Conseguir manter essa paixão durante tantos anos e continuar a ter vontade de cantar é um privilegio que pouca gente tem. Nunca pensei em futuro e, como vêm as coisas é impossível. Muitas vezes vivemos agarrados ao passado ou estamos a pensar no futuro e perdemos o essencial que é o hoje. 

-Esta entrevista con António Zambujo foi realizada na anterior visita a Galiza e publicada no semanário Sermos Galiza. 

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