PARCERIA DE SERMOS CON PALAVRA COMUM

Uma conversa com o poeta Tiago Alves Costa

Iniciamos a colaboração com a revista galega on line Palavra Comum -um projeto aberto à lusofonia impulsionado por Alfredo Ferreiro, Tati Mancebo e Ramiro Torres- com a publicação de uma entrevista ao poeta português residente na cidade da Corunha Tiago Alves Costa.

Tiago Alves Costa
photo_camera Tiago Alves Costa

Mecanismo de Emergência é o novo livro de poemas de Tiago Alves Costa, poeta português residente na cidade da Corunha, publicado por Através Editora.

Desde a Palavra Comum agradecemos ao autor as facilidades concedidas para a reprodução de vários poemas desta obra, assim como a entrevista realizada, que reproduzimos a continuação.

-Que é para ti a poesia/literatura?

-Um empregado das horas. Uma criança da qual desconhecemos a altura. Um velho sem nome. Dois pés amantes. Uma posição de vida: esperar. Um território da alma. Terão-nos barrado o acesso à alma? Um estado de ânsia. Uma descomposição da irrealidade trágica que vivemos. Texto-Movimento. Uma perturbação. Imigrar, para dentro de nós. Romper com a ditadura da língua. Um último reduto de liberdade? Uma luta contra a crueldade do tempo. Correr para trás. Exercício: deixar andar. Presságio. Actividade práctica do silêncio. Estacionar à sombra. Um homem que morre muito enquanto lava o seu carro ao domingo (um carro velho, muito velho). Uma cartografia do eu (nós?). Inscreve no vivo um princípio de bondade. Dá razão ao poeta!
Mas tudo isto que conto pode estar errado. Deve estar errado. Essa é uma das grandes virtudes da poesia. Talvez não se devam explicar tanto as coisas.

-Como praticas, no teu caso, o processo de criação artística?

-Como um atleta (e os atletas estão tão na moda): trabalhando diariamente o músculo. E o músculo: ler, escrever, escrever, ler, escrever e voltar a repetir de novo todo este processo até que o corpo se esgote. O problema que aqui se põe está na vida, que sedutora, hipnótica, inebriante, nos vem sempre pedir: vem! Pedindo que nos juntemos à celebração. E aí está o grande drama do poeta, a necessidade de viver por entre redenção do texto-vida….

livro-Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre a literatura e outras artes (plásticas, música, audiovisual, fotografia, etc.)? E entre Arte(s) e Vida?

-Uma relação inteira e absoluta. Eu busco incessantemente essa relação. Junto-me aos meus companheiros e companheiras de outras artes. Procuro saber como trabalham, que processos criativos utilizam, o que os inquieta. Escrever é muito difícil. Talvez busque um território onde seja livre, das palavras, tentando que elas parem de exercer a sua autoridade sobre mim. O cinema é para mim uma das grandes paixões, encontro ali um território catártico, a poesia, a palavra, em todo o seu esplendor.

-Quais são os teus referentes criativos (desde qualquer ponto de vista)?

-Sou influenciado por centenas de autores (de variadíssimos pontos de vista). Mas como afirmava Tarkovski: sem o desejo de imitar nenhum, já que o grande objectivo de qualquer arte é encontrar um meio de expressão individual.

-Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje?

-Os caminhos são hoje amplos. Ambíguos, também. Fazem-se coisas muito boas, curiosamente, é o artista quem continua a ser o fiel representante da verdade do mundo. Não o político que fala no telejornal das 20 h. A Internet é um grande meio, senão o mais utilizado, para comunicar-se arte. No entanto acho que o momento é de urgência. É necessário voltar a pensar em outros métodos, quem sabe. A Internet aumenta a velocidade. A criação pelo contrário precisa de outro ritmo, de tempo e vida para madurar. A vida cultural só se desenvolve quando existe uma atenção profunda e contemplativa. E a atenção profunda tem vindo a ser suplantada por uma exacerbada hiperatividade. Para se acompanhar o frenético ritmo do avanço necessitamos dispersar o foco de atenção. E esse é hoje um grave problema que se começa a notar sobretudo nas crianças de tenra idade.

A Internet aumenta a velocidade. A criação pelo contrário precisa de outro ritmo, de tempo e vida para madurar

Considero, no entanto, apesar do momento trágico-cómico que vivemos, ser este o momento para se produzirem grandes obras. Este é um tempo redentor, sairemos dele transfigurados. Tenho a certeza.

-Que perspectiva tens sobre a cultura galega e sua vinculação com a Lusofonia? Que achas das relações existentes e para onde consideras que se devem/podem dirigir?

-Eu tenho a melhor perspectiva da cultura galega, pois vivo-a intensamente. O facto de viver na Galiza permitiu-me conhecer de forma medular a sua cultura. E quão fecunda ela é… Tenho aqui muitas referências culturais que me inspiram, contemporâneas e não só. Desde o cinema, a pintura, a música, as artes plásticas, claro, a poesia, a alma-mater desta terra.

Um português, sobretudo do norte como eu sou, tem uma inquestionável natureza galego-portuguesa

A relação com a lusofonia é urgente, necessária, diria: imperativa. E este é o ponto de vista de um português: Portugal, e os restantes países lusófonos, têm que se integrar com a Galiza. Têm que se unir esforços para provocar esta relação, seja institucional ou de carácter independente. Quem não se quer integrar com o seu berço histórico-linguístico? Não sei se algum português já pensou nisto: Portugal é um bocado estendido da Galiza. A geografia da antiga Galécia ia até às margens do Mondego. Um português, sobretudo do norte como eu sou, tem uma inquestionável natureza galego-portuguesa. A etnografia, a paisagem, a amizade, a língua, tudo une a terra galega à sua irmã, a portuguesa.

Vão-se desenvolvendo projectos culturais que querem projectar e dimensionar este vinculo, é o caso, por exemplo, entre muitos outros, da “Cultura que une”. Eu próprio, ainda que de uma forma mais modesta, tenho tentando desenvolver esta união. O ano passado, por exemplo, juntamente com a Associação José Afonso, organizamos o 25 de Abril na cidade da Corunha, no Espazo de Colisións Artísticas, onde juntamos alguns poetas da Galiza e Portugal. E sempre que posso, tento levar artistas galegos ao outro lado da fronteira imaginária. Penso ser uma obrigação minha. Não poderia viver entre estas duas metades absolutas de mim mesmo sem reagir.

-Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver? Fala-nos, mais em concreto, do teu novo livro, Mecanismo de Emergência, publicado por Através, editora galega…

-Os meus projectos continuam a passar pela escrita. Esse é o meu grande projecto. O mecanismo, é de emergência. Penso que se exprime nele a vida que não se fala, um território secreto e insatisfeito de seres-palavra, estóicos pés-sombra, solitários viandantes de chão sem nome; trágico o tempo que lhes tocou viver? Mas isto sou eu a pensar. Espero que o leitor, soberano e sensível, não pense, obviamente, o mesmo que eu.
Quanto à Através Editora, considero ser a festa, a celebração, que no meu intimo culmina a minha relação já de sete anos com a Galiza. Andava-a a namorar há algum tempo, a Através, e não sei bem como, ela aceitou-me. Corajosa, respondeu-me: Bem-vindo à nave!

Tenho a certeza que vai ser uma viagem fascinante.

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