GORETTI PINA, ESTILISTA E ESCRITORA

Da moda à escrita e da escrita à moda

Goretti Pina é da Ilha do Príncipe. Definida por vezes como mulher de vários talentos viaja da moda à escrita e da escrita à moda. Confessa que ambas paixões surdiram quase a um tempo.

GORETTI PEQ
photo_camera Goretti Pina

Diz inspirar-se nas pessoas e nas paisagens e pretende, uma vez transformada a inspiração em obra, conquistar as pessoas com suas criações. Tanto falamos que a conversa dá para duas publicações. Nesta parte que agora publicamos falamos mais de moda; no semanário mais de literatura.

Antes de mais, muito obrigado por aceitar o convite

Sou eu quem agradece pela atenção.

Dizem ser você mulher de vários talentos: moda , escrita, experiência no associativismo, licenciada em Direito, pós-graduação em Criminologia ...

Enquanto cá andamos temos todas as possibilidades em aberto. E eu gosto de aprender e de experimentar. Acredito que a vida pode surpreender-nos e apresentar-nos novos desafios, o que me encanta! 

Resta ainda algum outro desejo por abraçar no futuro?

Sempre tive algum interesse pela mecânica e pela marcenaria. Tinha esperança de que poderia vir a explorar esses campos com o meu pai, mas ele faleceu e o desejo ficou adormecido. Quem sabe um dia ressurja? Por enquanto tenho procurado aprimorar a minha aptidão para a escrita. E tentar ser uma pessoa melhor e mais consciente, utilizando as ferramentas de que disponho através das actividades que vou tendo oportunidade de desenvolver, também é um desafio para o presente e para o futuro!

De onde é que nascem esses bichinhos da escrita, da moda …

Sou neta, filha e irmã de modistas e desenhadores. E também sobrinha-neta de um poeta, o Marcelo da Veiga. Será por aí? Acredito que terá contribuído senão determinado as minhas inclinações. Além disso, tive uma infância num ambiente tão repleto de pessoas, cada uma com a sua história e maneira de ser, a sua gargalhada, a sua lágrima e a sua fé, que me permitia sonhar e imaginar, e construir nem que fosse uma ilusão!

E ler?

A minha mãe tinha sempre mais de um livro à cabeceira. Adorava ler. Cantava enquanto cuidava da casa e pedia que eu ou algum dos meus irmãos (somos oito irmãos) lêssemos os manuais escolares para ela enquanto estava à máquina de costura.

E o seu pai?

O meu pai era um homem fascinado pela ciência, (uma espécie de prof. Pardal), e completamente apaixonado por todas as formas de manifestação artística. Desenhava, esculpia e declamava poesia pela casa sempre que tinha oportunidade. Cresci rodeada de livros e fui, durante a infância, frequentadora assídua de uma sala de leitura (Marcelo da Veiga, na ilha do Príncipe), que ficava perto de casa, onde a dada altura a funcionária já sabia que livros eu ainda não tinha lido e já os deixava separados para mim.

Como foram as suas primeiras experiências de moda?

 As minhas primeiras experiências de moda foram com e para as minhas bonecas. Algumas feitas por mim mesma, umas de pano, outras de folhas de bananeiras secas, eram meninas muito vaidosas. E eu punha-me ao serviço delas com todo o prazer para as vestir de acordo com as ocasiões.

Você começou em 1996 no mundo da moda. Padrões africanos estavam na base do seu desenho. Como evoluíram neste tempo esses padrões?

Sim, como brincadeira, fará em Dezembro vinte anos. Cada vez que recordo tudo o que envolveu aquela primeira aventura (coletiva- minha e dos/as modelos) de exposição pública, tenho uma sensação de nostalgia feliz! Uma recordação muito boa. Embora muito presente os padrões africanos, de padrões, de cores e de texturas havia um pouco de tudo.

"Os padrões africanos não mudaram grande coisa. Continuam lindos, com a sua riqueza de identidade"

Mudaram muito os padrões africanos?

A meu ver, os padrões africanos não mudaram grande coisa. Continuam lindos, com a sua riqueza de identidade. E a minha paixão por eles, igual.

Então, o que evoluiu?

O que evoluiu foi o olhar do mundo sobre. E a procura aumentou de tal forma que os encontramos por toda a parte e utilizados para os mais variados fins. O padrão africano é realmente inspirador, pois sempre se vai descobrindo novas formas de o aproveitar, de o empregar, de criar sobre, o que é maravilhoso!

"A diáspora tem a mesma obrigação de acompanhar, e dentro do possível, contribuir para o futuro do país"

Você forma parte da diáspora são-tomense, como vê o papel da mesma para o futuro do país?

A diáspora tem a mesma obrigação de acompanhar, e dentro do possível, contribuir para o futuro do país. E pode-se sempre encontrar formas de prestar esse contributo. O estar-se fisicamente distante poderá dificultar acções mais directas e interventivas. Por outro lado, o distanciamento acaba por proporcionar uma visão menos comprometida e muitas vezes mais atenta e mais crítica do que vai acontecendo, e das necessidades de melhoria do que precisa dessa atenção. Mas apontar simplesmente o dedo para os problemas como tantas vezes acontece, sem uma proposta viável que possa ajudar a encontrar novos caminhos, não os faz resolver. Acredito que pelo menos o desejo de fazer algo pelo país é preocupação da maioria.

Quais são, para si, as maiores referências da escrita são-tomense?

Falar de maiores referências é complicado quando sei de obras/autores como o Rafael Branco ou o Hélio Bandeira, sobre os quais me têm chegado opiniões muito favoráveis e que eu, infelizmente não tive ainda oportunidade de ler.

Há os incontornáveis como o Francisco José Tenreiro, o Marcelo da Veiga, o Costa Alegre e a Alda do Espírito Santo. Escritores de outros tempos, com experiências e motivações muito próprias da época e que deixaram registos muito importantes para o conhecimento e reflexão da nossa história, do nosso caminho enquanto povo/país.

Depois temos a Conceição Lima com uma poesia que parece não caber nos livros, quer caminhar solta, quer dizer. Temos o Albertino Bragança que marcou a todos com Rosa do Riboque. A Olinda Beja com uma obra notável entre poesia, romance, contos, inclusive infantis. O Espírito Santo (Bené) com muitos livros publicados, e de quem li e registei como particularmente útil  A coroa do Mar.

E há os novos autores com trabalhos interessantes sobretudo do ponto de vista histórico, como o Orlando Piedade.

[Esta conversa continua no semanario do dia 17 de março]

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