Da mão de Mia Couto, o galego entra no Sant Jordi

Da mão de Mia Couto, este ano 2019 o Pregó de la Lectura de Sant Jordi foi em galego. Em galego de Moçambique. Mia Couto, nascido na Beira, Moçambique, em 1955, é um dos escritores mais relevantes em Português e o autor moçambicano mais traduzido, com obras que podem ser lidas em catalão, espanhol, inglês, francês, alemão, italiano ou sérvio.

mia couto
photo_camera [Imaxe: Facebook]

Sobre a sua infância na Beira natal gira o seu próximo livro, de que já já tem escritos doze capítulos. Foi no final de 2018 que dava a conhecer quais as linhas mestras deste romance: “Para dizer a verdade acho que precisava disso, desse regresso, precisava de me sentir, como se a ideia de que nascemos num só momento tivesse que ser contrariada e eu precisasse de continuar a nascer e aquele é o melhor lugar", confidenciou à agência Lusa, ao mesmo tempo em que admitiu há uma mudança na escrita “porque também me interessa. Se eu sinto que estou a escrever a mesma coisa e da mesma maneira não me interessa mais escrever, eu quero batalhar contra mim mesmo, contra aquilo que me parece que já está estabelecido, uma zona de conforto que me apetece desafiar, não me apetece mais escrever se não me surpreender".

O novo livro que tem em mãos terá "uma escrita fragmentada a partir de papéis e de documentos e de registos escritos" que permitem ao autor "fazer uma visita ao que são até mais os esquecimentos do que as memórias, é uma espécie de invenção de esquecimentos a partir do que outros dizem que foi" esse passado.

"Principalmente os meus próprios irmãos que me contam histórias de família como se eu nunca estivesse lá, como se fosse uma ausência, uma distração e isso para mim é muito bom, porque estou a visitar o meu próprio tempo, a minha própria infância, como se a sentisse ao mesmo tempo familiar e estranha", revelou.

Apesar do foco ser a sua infância, Mia Couto avisou que o livro não é sobre ele ou sobre a sua família, porque não deseja falar disso, mas interessa-lhe "muito falar desse tempo, porque é um tempo que é importante não esquecer e esses aparentes esquecimentos e esse registo de uma memória que nunca quer ser verdadeira, servem para relembrar um tempo que foi um tempo que tem ensinamentos, que não se podem esquecer".

História e memória que agora tem de mudar, após a cidade da Beira ficar destruída:

“Ia visitar a minha cidade, para reativar memórias, mas nessa semana ocorreu o furacão e não pude, e esse facto mudará profundamente esta história. Ia em busca das minhas recordações e alguns desses lugares já não existem”, assinalou Mia Couto, que se sente “perdido neste momento”, um pouco órfão da sua própria infância.

Couto esteve neste 23 de abril no Saló de Cent da Prefeitura de Barcelona para fazer o Pregó de la Lectura de San Jordi de 2019, acto que acontece desde 2003, coincidindo com o dia da rosa e o livro e celebração da festa padrão da Catalunha. É a primeira vez que a nossa língua é utilizada para esta celebração. Sobre o dia do livro, Mia Couto confessa, em declarações Efe, que lhe falaram tanto de Sant Jordi que é como se já conhecesse a festa: “É algo estranho no mundo e isto é motivo de esperança nos tempos que correm”, comentou. Em entrevista com a jornalista Anna Guitart Couto fala das fases do processo criativo, da origem de seu nome, de Moçambique, do ciclone Idai, da insolidariedade e de muitas outras coisas.

 

 

Lusofonia, um subúrbio

Com anterioridade, em declarações a Efe, o escritor afirmou que “A Europa não conhece a literatura africana e, embora a situação já tenha melhorado muito, continuam a ser alguns nomes, em boa parte nigerianos da diáspora, que contam uma certa visão do seu mundo, que é um mundo de mestiçagem, mas creio que ainda falta muito para conhecer o continente linguisticamente mais rico do mundo”. África – acrescentou – herdou algo que não é próprio, “um peso da Europa” que se traduziu em três Áfricas: a francófona, a anglófona e a lusófona. “Se África já é um subúrbio no contexto do mundo, a lusófona é um subúrbio do subúrbio, porque não tem o peso cultural do inglês e do francês”.

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