Charo Lopes: “A representaçom ajuda ao autoconhecimento e ao empoderamento”

Os limites do enquadramento. O que nom é representado. O que nom sae na foto. É o eixo em torno do qual gira o álbum, o novo livro de Charo Lopes, com o qual ganhou o Prêmio de Poesia Cidade de Ourense. A autora revelou-se como umha das vozes essenciais da recente poesia galega com De como acontece o fin do mundo. Este é um projeto diferente. Feito a partir do íntimo, o micro, o retrato de pessoas e afetos. Mas não menos político, menos de intervençom no coletivo. Fronte à saturaçom da imagem que esconde o que fica nas margens
Charo Lopes
photo_camera Charo Lopes

Por quê o livro é como um álbum de fotos?

Trabalho como fotógrafa e esta condiçom fai-me refletir sobre o sentido da criaçom fotográfica, em que convivem hoje os novos usos -no sentido que define Joan Fontcuberta a posfotografia- com os velhos usos, da fotografia como memória e documento. Num contexto de imensa saturaçom de imagens, cumpre pensar quais representaçons abundam e quais faltam. Interessa-me também a relaçom da imagem com o texto, como se complementam e se pode jogar com a ambiguidade da imagem ancorando com as palavras.

De que jeito se relaciona album com a memória pessoal e coletiva?

É um logro do capitalismo que pensemos que o nosso potencial está no que nos diferença das outras, favorecendo o individualismo e a competitividade. As pessoas somos parecidas, partilhamos condiçons sociais, físicas, emocionais… e o potencial emancipatório fica em reconhecer-nos a nós próprias e identificar o que, e com quem, temos em comum. Aí surge a solidariedade e a cooperaçom. Ademais, a memória pessoal sempre tem um contexto, portanto sempre é coletiva.

No livro há umha reflexom sobre uma relaçom de estrañamento com o próprio corpo. Por quê?  

Porque é um olhar externo o que nos define, mesmo o nosso, observando-nos desde o espelho. Penso que na esquerda houvo umha negaçom do “eu” por medo a dar demasiado protagonismo ao individual, ao íntimo, ao micro. Fôrom os feminismos quem trougérom a necessidade de falar desde aí, e a potencialidade emancipatória disto. 

Também se destacam a idéia do fantasma, do que fica de fora da imagem… Que relaçom têm com o teu trabalho?

A interrelaçom é forte, tanto no trabalho que fago como retratista, como nos debates que tenho com as minhas companheiras da revista caleidoscópica, sobre a linguagem  fotográfica e agora arredor do conceito de “ficçom”, eixo temático do próximo número. E a ideia dos limites do enquadramento acho que é o mais subversivo deste poemário. Todo o que nom é representado, essa injustiça: as que nom saem na foto, as que nom encaixam no patrom. 

Se há, desde o início, medo ou alienaçom, também há raiva, ressentimento. Por quê é também o poemário umha história da necessidade de crescer e agir contra a norma?

A simples afirmaçom de umha identidade pode ser agir contra a norma, segundo quem for o sujeito a afirmar-se. O ressentimento nasce da ferida, de nom sentir reconhecimento e bom trato; num nível mais estrutural, da opressom. A representaçom ajuda ao autoconhecimento e ao empoderamento. Tanto individual como coletivo.  

O anterior era um livro muito social, muito politicamente atento.

Talvez este nom seja menos, embora essa pegada social esteja mais próxima do íntimo -também, é claro, político-. Qual é nisso a diferença entre os dois? Este poemário nom tem nada a ver com De como acontece o fim do mundo. Quem esteja à espera de umha segunda parte daquilo, vai ficar desiludida. Naquele tinha a necessidade de falar do macro, do estrutural, e coloquei-me numha perspectiva mui “de combate”. Este é outro conto: o que me moveu a escrever foi umha necessidade mais íntima, de representaçom, de contar o micro, de dar-lhe reconhecimento ao pequeno, ao quotidiano, à memória do privado, ao retrato de pessoas e afetos.

Outra questom é a ausência: em relaçom à morte ou, talvez, a prisom. Que é a ausência neste livro?

Nom o tenho claro… Há muitas perguntas, muitas incertezas e carências. Mas a morte e a prisom som realidades representadas no álbum. As grandes ausentes som as que nom tenhem possibilidade de tirar-se a foto, de dar visibilidade à sua realidade e colocar-se no centro. Eu nom me vim com a legitimidade nem a capacidade de falar por essas outras, mas apenas de falar do espaço que deveriam ter; de em que momento eu, ou outras -e sobretodo outros- deveríamos calar para poder ouvi-las, ou dar um passo atrás, para reequilibrar o reparto.

A história de Joaquina e Tomasa nom parece ficçom. Podes falar um pouco mais dela?

Isto quer dizer que há outros poemas que parecem fingidos? Talvez é dos textos mais literais e por isso se lê como “confesional”? Joaquina e Tomasa som a minha visavó e a minha avó, mas nom é, o poema nem o livro em geral, autobiográfico. Aliás, há pouco a investigadora Sabela Fraga citava a Ingrid Guardiola sobre a ideia da representaçom, e Guardiola defende que “a representaçom é a ficçom que cada umha fai da sua própria experiência”. Acho que é por aí que se construiu o álbum. Há também um retrato de Pastora, a mae de Xosé Tarrio, por exemplo, ou um poema baseado numha fotografia de José Suárez, tio avó -casualmente- do meu amigo e preso independentista Miguel Garcia.

No livro anterior havia uma sensaçom de encontro entre mulheres, de uma tribo de mulheres trabalhadoras, que parece estar também neste...

Penso que também está, si. É a partir do conhecimento e reconhecimento de umha mesma -também num sentido coletivo- que se desenvolve a capacidade de relacionar-nos em pé de igualdade e bom trato com as demais. Este empoderamento é estratégico para poder visibilizar e enfrentar muitas relaçons de poder e até para poder organizar-se e participar em movimentos sociais dumha forma saudável, e nom acarretando toxicidade derivada dos medos e dos traumas. Para poder achegar o comum é preciso sentir-nos igual de válidas que qualquer umha, sabendo que as demais, sejam como for de diversas, som iguais.

Algo mais que queiras dizer?

Agradecer a escolha do livro ao júri do Premio de Poesia Cidade de Ourense, e agradecer em particular por nom vetarem a liberdade de escolha ortográfica -o livro sairá em galego internacional, como foi escrito-. E finalmente agradecer também a Aira Editora o seu trabalho impecável e cuidadoso.

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