Ferreira Gullar era um escritor total -até foi roteirista de novelas para a televisão-, mas foi na poesia onde alcançou o maior reconhecimento com uma obra que abriu novas fronteiras na lírica brasileira de finais dos 50, ao fronte do chamado movimento neo-concretista. Estava na vanguarda literária e também na política, desde a sua militância comunista no confronto coa ditadura militar. Precisamente a sua obra mestra, o Poema Sujo, escreveu-a durante o seu exílio na Argentina.
Em 2010 foi distinguido com o Prémio Camões, o maior da literatura em língua portuguesa. Também obteve os galardões da Associação Paulista dos Críticos de Arte (1976) e Machado de Assís (2005).
Eis o começo do Poema Sujo:
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti